data-filename="retriever" style="width: 100%;">A renovação de ânimo, figurativamente, se compara a uma injeção. Pode ser uma palavra, um gesto, um abraço ou simplesmente, um olhar. Similar a um medicamento que promove cura ou alivia os sintomas da doença. Com este sentido, nem tão figurativo, defini o recebimento da vacina para a Covid-19. Há uma semana foi a aplicação para minha faixa etária - 63 anos. Foi uma grande surpresa quando, na véspera, vi confirmado o dia tão esperado. Foi um turbilhão de emoções.
Senti os abraços que tanto me fazem falta e os encontros mais próximos. Sei que nem tão próximos, mas emoção e razão não são medidas com a mesma escala. Meu pensamento viajou para os abraços da filha, da neta, dos filhos, dos amigos. Me vi combinando com a neta uma noite inteira para assistirmos a filmes, dar risadas, trocar segredos.
Me vi passeando na Paulista com a filha, visitando feiras e museus. Me vi em um bar tomando cerveja com os filhos. Me vi comendo um churrasco ou uma moqueca de banana-da-terra com os que optaram pelo veganismo. Me vi em um aeroporto, em uma rodoviária. Me vi pela rua, pelas praças, por todos os lugares e com todos cujo sentimento, hoje, é apenas saudade - saudade de doer. A emoção da espera levou o sono embora. Só queria que o dia amanhecesse. Roupa escolhida. Blusa com lugar da aplicação à mostra. Não precisava nem arregaçar a manga. Em meio a visão de futuro, não dá para esquecer a condução mortal da pandemia no país.
São mais de 350 mil mortos. Vida perdidas por políticas de extermínio. Histórias interrompidas. Não é só a morte que bate à porta, a fome cada dia é mais extrema. A felicidade não é plena. É doída. Pesada. Eu precisava dizer isso, mesmo em dia de felicidade pessoal.
Fiz um cartaz clamando prioridades essenciais - Vida, pão, vacinas e educação. O dia nem havia amanhecido e eu já estava pronta. Passei batom, mesmo a máscara escondendo o vermelho. Enfim na fila - lugar 57. Minha vontade era de abraçar todo mundo, do guarda da entrada do campus da UFSM aos que conferiam para tudo ser perfeito (e foi). As lágrimas escorriam sem controle para o interior da máscara.
O gosto salobre na boca me lembrou o mar. Mar que me faz tanta falta. Amo o mar! A pandemia me ensinou a esperar - a espera tem sido interminável, ao contrário da passagem do tempo, muito rápida. Amanheceu, o cântico dos pássaros passou a ser audível. A fila, enfim, se movimentou.
Sem controlar o pranto, viajei aos lugares que desejo voltar e em direção a todos que sonho reencontrar. A vacina é uma injeção de esperança. Esperança tolhida a muitos pela negação, pela falta de compaixão, pelo propósito calculado de não comprar imunizantes, pela insistência em tratamentos sem eficiência, pela perseguição à ciência e aos cientistas. Minha esperança mistura felicidade, dor, cura, morte, vida, medo, revolta. Impossível ser indiferente à destruição que ronda nosso país nestes tempos obscuros.
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